A minha foto
Às vezes a imaginação falha, o sorriso esconde-se, as ideias ficam com ressaca e a vontade esgota-se. Depois, é preciso deixar que o pensamento esboce a dureza das palavras expostas. É ser sem parecer, e escrever mesmo sem crer.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

261. Qualquer coisa

Há qualquer coisa que nos protege, qualquer coisa que nos envolve num manto branco e comprido. Funciona como uma relação directa com a memória, com o nosso imaginário e com o impasse que não nos deixa escapar.
Há qualquer coisa que faz parar o tempo, que me faz deslizar para a margem, qualquer coisa tipo imane que me faz querer andar colada a ti, mais e mais - mas que, ao fim ao cabo, acaba por escorregar, cair até.
Deixei cair a purpurina, deixei que o brilho se fosse e que o coração ficasse frio. Deixei que o calor do tempo me reconforta-se o ego e que as acções fossem mais fortes que a própria palavra. 
O palco, o tão famoso palco da minha vida, tem andado disperso, ao sabor do vendo e do pensamento. Tenho-o deixado divagar pelas colinas e planícies da terra, pela ponta do globo e até mesmo pelo universo. 
Tenho deixado que se afaste do centro da acção e que seja apenas a personagem principal.
Não me esqueci da cena nem do texto, nem das didascálias que ao lado da dissertação acompanham o actor para o seu bom desempenho.
Os adereços sempre foram simples, as luzes o som e tudo o resto também. Mas eu, eu continuo a sentir que falta ainda qualquer coisa, qualquer coisa e qualquer coisa.
O público entra, senta-se.
O pano sobe. Eu, eu já me encontro no meio do palco, descalça e com calças de ganga rasgadas. Tenho uma camisola vermelha, suja de óleo e de terra. O cabelo está cheio de nós, sujo, despenteado e sem qualquer forma. Estou deitada. Sozinha. Sem me conseguir mexer. 
Tenho o chão colado às costas. Sinto frio - muito frio.
Choro, não pelo frio que o chão me causa mas porque tenho o corpo imóvel, pesado, cansado. E quando me tento mexer-me ainda dói mais.
É aí precisamente que me falta qualquer coisa, qualquer coisa, qualquer coisa.
Já não me importo pelo que seja. Choro apenas para que seja.
As luzes apagam-se. Acendem-se velas pequeninas. Apareço eu, sentada à beirinha do palco, junto ao público, vestida de menina, a olhar para vocês. 
Aliás, a olhar para ti como sempre fiz.
Falo, falo-te do Mundo, da Vida, do Tempo, da Voz, do Som, da Alegria e da Felicidade, falo-te de mim, de ti, de nós, falo-te de amor, de paixão e de carinho.
A dissertação acaba então. Aí as luzes apagam-se e eu, no escuro levanto-me.
O pano baixa, e mesmo antes que suba novamente, já eu estou ao teu lado, à espera que notes a minha presença e, enquanto não te dás conta de mim, eu morro por dentro e por fora, até ao dia em que quando olhares à tua volta, eu desapareci. Não porque quis mas porque inconscientemente tu pediste-me isso.
Aí estás tu, agora, neste preciso momento a ler, a ler o que talvez não entendas que seja para ti, mas que no fundo sentes que precisas olhar para algum lado. Olha! Olha agora, olha agora porque amanhã podes não  ver mais. Olha por ti, olha mim, olha por nós.
Continua a faltar-me ainda qualquer coisa. 
  
Telma Palma

Sem comentários:

Enviar um comentário

Memórias do Meu Pensamento